Fernando Valente Pimentel

O manto da Padroeira

Por Fernando Valente Pimentel
Presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit)

A Seleção que luta pelo hexa no Catar tem relação holística e transcendental com seu uniforme. Há episódios nos quais o traje, como se fosse um jogador, ganha forte identidade como protagonista ou vilão.

Uma dessas passagens ocorreu há 72 anos, quando perdemos a Copa de 1950 para os uruguaios. Poucos se lembram, mas o goleiro Barbosa não foi o único responsabilizado. A camisa branca com golas azuis também foi condenada, sob a acusação de que não era “suficientemente nacionalista”. O jornal carioca Correio da Manhã publicou editorial criticando-a pela “falta de simbolismo moral e psicológico”.

Oito anos depois, nossa seleção, já com a indumentária amarela, ganhou sua primeira Copa, na Suécia, em 1958. O traje da finalíssima, embora improvisado, foi um dos protagonistas: dias antes da partida, houve sorteio para decidir a cor da camisa, pois os adversários, os donos da casa, também vestiam amarelo. Perdemos. Foi necessário comprar às pressas um lote de camisetas azuis.

A mudança parecia afetar os jogadores, acostumados com a jaqueta canarinho. Percebendo o risco, o chefe da delegação, Dr. Paulo Machado de Carvalho, o Marechal da Vitória, enfatizou: “Eu quis que vocês jogassem de azul porque é a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida, que está conosco”. O resultado todos conhecem! Sob as bênçãos da Padroeira, a seleção passeou no gramado do Estádio Rasunda, batendo a Suécia por 5 a 2. Desde então, o azul foi oficializado como segundo uniforme da Seleção.

Transcorridos 64 anos, é importante entender que o uniforme tem efeitos no desempenho da Seleção. Agora, a influência não tem apenas fatores emocionais, psicológicos, supersticiosos ou religiosos. Estamos falando de tecnologia!

O notável avanço resultou em trajes que reduzem a resistência do ar e da água. São mais leves, não retêm o suor, não irritam a pele, garantem plena ventilação, aumentam a microcirculação sanguínea, retardam a fadiga muscular e aceleram a recuperação, podendo até mesmo monitorar eletronicamente a performance.

Até o início dos anos 80, o material retia o suor. Um jogador perde de dois a três quilos durante o jogo. Metade ficava na camisa. Aí, veio outro tipo de fibra, utilizado pela primeira vez pela Seleção na Copa do México, em 1986. Porém, o suor permanecia retido, agregando peso e esfriando o corpo. A partir dos anos 90, surgiram novos materiais. Tecidos inteligentes absorvem o suor e propiciam rápida evaporação. Hoje, 24 anos depois do primeiro modelo, a atual é 13% mais leve e tem passagem de ar 7% mais efetiva.

A melhor notícia é que esses avanços também beneficiam os consumidores, pois são aplicados na produção regular do vestuário. Entretanto, os uniformes no Catar, assim como as roupas de nosso dia a dia, não chegaram ao limite. Estão em curso a Manufatura Avançada e o desenvolvimento de novas fibras e acabamentos, e o setor têxtil e de confecção brasileiro é um dos protagonistas.

Cabe, ainda, redentora reflexão. É preciso, finalmente, fazer justiça histórica, inocentando Barbosa e a camisa branca, que não podem ser condenados pela derrota de 1950. Algo, contudo, permanece inabalável para milhões de brasileiros: a fé em Nossa Senhora Aparecida!​

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